A Contradição do Retorno ao Escritório
Estamos vendo um movimento generalizado de “Volta ao Escritório” (RTO) em muitas empresas, e é uma tendência difícil de entender. As justificativas oficiais geralmente mencionam “cultura”, “colaboração” ou “inovação”. No entanto, para quem passou os últimos anos trabalhando de casa e entregando resultados, essas razões parecem fracas, especialmente quando o trabalho remoto se provou eficiente.
O caso mais recente e contraditório é o do Nubank. A empresa acabou de se tornar a mais valiosa do Brasil, superando Petrobras e Itaú. A ironia é que ela alcançou esse marco operando, como eles mesmos admitem no comunicado, em um “ambiente prioritariamente remoto”. Foi nesse modelo que o número de clientes dobrou e que eles atingiram faturamento recorde. O sucesso que os levou ao topo foi construído remotamente.
Agora, no auge desse sucesso, o Nubank anuncia um modelo híbrido obrigatório a partir de 2026. A contradição é clara. A proposta de valor inteira do Nubank para o cliente é eliminar o físico: resolver tudo pelo celular, sem agências, sem precisar ir a um local. Eles pregaram e provaram que o físico é desnecessário. Mas agora, para seus funcionários, a política interna é o oposto: o local físico é obrigatório. Não faz muito sentido o produto ser sobre “não precisar de um lugar” e o trabalho ser sobre “precisar de um lugar”.
E, para mim, precisamos ser claros sobre o que esse “modelo híbrido” realmente significa. Ele não é um meio-termo. Na prática, ele é um modelo presencial. Chamar de híbrido é só para enganar trouxa. A partir do momento que você é obrigado a ir ao escritório, mesmo que por dois ou três dias, toda a lógica do remoto se quebra. A dinâmica da sua vida vira presencial. Você não pode mais viajar. Você não pode trabalhar de outra cidade ou país. Você é forçado a morar (e pagar o custo de vida) da cidade-sede e gastar tempo e dinheiro com deslocamento. A flexibilidade real, a que realmente mudou o jogo, desaparece.
Eu sou cem por cento a favor do remoto porque o trabalho que milhões de pessoas executam simplesmente não exige co-locação física. Escrever código, analisar dados, planejar estratégias ou criar designs são tarefas de foco. Elas dependem de um cérebro e uma conexão com a internet, não de um corpo presente em um andar específico de um prédio. Em muitas empresas, o presencial se tornou uma farsa: as pessoas se deslocam por horas apenas para chegar ao escritório e fazer exatamente a mesma coisa que faziam em casa. Elas sentam em suas mesas e entram em reuniões pelo Google Meet com colegas que estão na mesma sala ou em outras cidades. No fim, o presencial não acrescenta sentido nenhum ao trabalho. Forçar esse retorno é, em muitos casos, uma decisão ineficiente.
Esse movimento de RTO, mesmo disfarçado de “híbrido”, não parece ser uma decisão de negócios baseada em dados de produtividade. Parece mais uma tentativa de restaurar uma ordem antiga, talvez para justificar os custos de escritórios caros (a “sunken cost fallacy”) ou para satisfazer um estilo de gestão que precisa “ver” os funcionários para acreditar que estão trabalhando.